quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Mulheres!


A mudança nas questões da vida privada, do comportamento, da sexualidade, do amor é parte imprescindível das responsabilidades da revolução. Ao contrário da visão predominante, de que só devemos, ou só podemos nos dedicar a elas quando a transformação econômica e política já estiverem asseguradas.
A gestação dessa nova moral deve ser necessariamente, um componente do processo de luta.
É óbvia a importância das transformações econômicas e políticas para que uma efetiva libertação possa existir, mas não podemos nos conformar com que, nestas questões, a prioridade seja sempre adiada. Afinal, diz Alexandra Kolontai, “A experiência da história nos ensina que a elaboração da ideologia de um grupo social e conseqüentemente da moral sexual também se realiza durante o próprio processo de luta deste grupo contra as forças sociais adversas”.
É de fundamental importância na vida de luta a insistência ao respeito à individualidade de cada um na construção das relações afetivas; sobre a importância da sexualidade na formação psicológica dos indivíduos; na visão aberta sobre a construção de novas formas de relação afetiva e sexual sem se enganar que sob formas aparentemente modernas se mantêm relações de dominação; na defesa da autonomia material e psicológica das mulheres.
É preciso criticar agudamente às relações de dependência econômica, de subordinação das mulheres sobre as quais se constrói o casamento e famílias tradicionais, insistir sobre a importância da autonomia econômica (mas não essa imposta pelo capitalismo que simplesmente incorpora mais uma forma proletário que acaba por se tornar o proletário DO proletário – executando o trabalho assalariado, o doméstico e o materno), do seu desenvolvimento profissional e intelectual, da ruptura com os valores de feminilidade assentados na submissão. Uma ruptura que exige a transformação de mulheres e homens. E que exige um investimento político concreto na mudança das condições de vida das mulheres para que as necessidades econômicas ou a maternidade não sejam empecilhos à sua libertação. Daí a importância da igualdade no direito ao trabalho, a ênfase sobre a libertação das mulheres da escravidão do trabalho doméstico, das políticas em relação à maternidade.
É necessária a intransigência com o machismo arraigado na postura dos companheiros – mesmo entre os quais se pretendem os mais revolucionários. Quando se trata de romper com as velhas estruturas, lutar pelas mudança das velhas relações de produção, ser intransigente com a sociedade burguesa, pode-se encontrar unidos para isso todos os revolucionários. Mas, no momento em que se trata de romper com o papel subordinado das mulheres, em particular na vida privada, então, não é incomum encontrar que os revolucionários se unam em defesa dos mais atrasados preconceitos e comportamentos totalmente incompatíveis com as mudanças que defendem.

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"A vontade individual submerge e desaparece no esforço coletivo de milhões de mulheres da classe operária, para adaptar-se às novas condições de vida. Também nessa transformação desenvolve o capitalismo uma grande atividade. Ao arrancar do lar, do berço, milhares de mulheres submissas e passivas, escravas obedientes dos maridos, num exército que luta pelos seus próprios direitos e pelos direitos e interesses da comunidade humana. Desperta o espírito de protesto e educa a vontade. Tudo isto contribui para que se desenvolva e fortaleça a individualidade da mulher.
Mas, desgraçada da operária, que crê na força invencível de uma individualidade isolada. A pesada carga do capitalismo a esmagará, friamente, sem piedade. As fileiras de mulheres combatentes constituem a única força capaz de desviar de seu caminho a pesada carga do capitalismo.
(...)
O novo tipo da mulher, que é interiormente livre e independente, corresponde, plenamente, à moral que elabora o meio trabalhista no interesse de sua própria classe. A classe trabalhista necessita, para a realização de sua missão social, de mulheres que não sejam escravas. Não quer mulheres sem personalidade, no matrimônio e no seio da família, nem mulheres que possuam as virtudes femininas – passividade e submissão. Necessita de companheiras com uma individualidade capaz de protestar contra toda servidão, que possam ser consideradas como um membro ativo, em pleno exercício de seus direitos, e, conseqüentemente, que sirvam à coletividade e à sua classe.
(...)
A mulher transforma-se gradativamente. E de objeto da tragédia masculina converte-se em sujeito de sua própria tragédia.
(...)
Com efeito, as normas morais que regulam a vida sexual do homem não podem ter mais do que duas finalidades, dois objetivos. Primeiro, assegurar à humanidade uma descendência sã, normalmente desenvolvida: contribuir para a seleção natural no interesse da espécie. Segundo, contribuir para o desenvolvimento da psicologia humana, enriquecê-la com sentimentos de solidariedade, de companheirismo, de coletividade. A moral sexual atual, como moral que serve unicamente aos interesses da propriedade, não preenche nenhuma destas duas finalidades. (...) A moral contemporânea não faz mais do que conduzir a humanidade pelo caminho da degenerescência absoluta.
(...)
(...) atingem seus fins as formas atuais da moral sexual? Ou seja, contribuem para desenvolver no homem sentimentos de solidariedade, de companheirismo e conseqüentemente para o enriquecimento da psicologia humana?
Depois de submeter a uma análise sistêmica as três formas fundamentais da união entre os sexos, o matrimônio legal, o amor livre e a prostituição, Meisel-Hess chega a uma conclusão pessimista, porém inevitável, de que no mundo capitalista todas as formas, marcam e deformam a alma humana e contribuem para a perda de qualquer esperança de se conseguir uma felicidade sólida e duradoura, numa comunidade de almas profundamente humanas: no estado invariável e estagnado da psicologia contemporânea não há solução possível para a crise sexual.
Somente uma transformação fundamental da psicologia humana poderá transpor a porta proibida, somente o enriquecimento da psicologia humana no potencial do amor pode transformar a relação entre os sexos e convertê-las em relações impregnadas de verdadeiro amor, dotadas de uma afinidade real, em uniões sexuais que nos tornem felizes. Porém, uma transformação desse gênero exige inevitavelmente a transformação fundamental das relações econômico-sociais: isto é, exige o estabelecimento do regime comunista.
(...) O matrimônio legal está fundado em dois princípios igualmente falsos: a indissolubilidade, por um lado, e o conceito de propriedade, da posse absoluta de um dos cônjuges pelo outro.
(...)
O segundo fator que envenena o matrimônio legal é a idéia de propriedade, de posse absoluta de um dos cônjuges pelo outro. Não pode haver, na realidade, um contra-senso maior. Dois seres, cujas almas só têm raros pontos de contato, têm necessariamente que adaptar-se um ao outro, em todos os diversos aspectos de seu múltiplo eu. O absolutismo da posse encerra, irremediavelmente, a presença contínua desses dois seres, associação que é tão doentia para um como para o outro. A idéia da posse não deixa livre o eu, não há momento de solidão para a própria vontade e, se a isto se acrescenta a coação exercida pela dependência econômica, já não fica nem sequer um pequeno recanto próprio. A presença contínua, as exigências inevitáveis que se fazem ao objeto possuído são a causa de como um ardente amor se transforma em indiferença, essa terrível indiferença que leva dentro de si raciocínios insuportáveis e mesquinhos.
(...)
Não é só isso. Os fatores de indissolubilidade e propriedade, fundamentados no matrimônio legal, exercem um efeito nocivo sobre a alma humana. Estes dois fatores exigem poucos esforços psíquicos para conservar o amor de um companheiro de vida, porquanto se está ligado a ele, indissoluvelmente, por correntes exteriores.
(...)
Deforma-se, ainda mais, a psicologia humana com outro aspecto da união sexual: a prostituição.
Pode haver algo mais monstruoso do que o fato amoroso degradado até o ponto de se fazer dele uma profissão?
Deixemos de lado todas as misérias sociais que vêm unidas à prostituição, os sofrimentos físicos, as enfermidades, as deformações e a degenerescência da raça, e detenhamo-nos somente ante a questão da influência que a prostituição exerce sobre a psicologia humana. Não há nada que prejudique tanto as almas como a venda forçada e a compra de carícias de um ser pelo outro com que não tem nada em comum. A prostituição extingue o amor nos corações.
A prostituição deforma as idéias normais dos homens, empobrece e envenena o espírito. Rouba o que é mais valioso nos seres humanos, a capacidade de sentir apaixonadamente o amor, essa paixão que enriquece a personalidade pela entrega dos sentimentos vividos. A prostituição deforma todas as noções que nos levam a considerar o ato sexual como um dos fatores essenciais da vida humana, como o acorde final de múltimplas sensações físicas, levando-nos a estimá-lo, em troca, como um ato vergonhoso, baixo e grosseiramente bestial. A vida psicológica das sensações na compra de carícias tem repercussões que podem produzir conseqüências muito graves na psicologia masculina. O homem acostumado à relação sexual na qual estão ausentes os fatores psíquicos, capazes de enobrecer o verdadeiro êxtase erótico, adquire o hábito de se aproximar da mulher com desejos reduzidos, com uma psicologia simplista e desprovida de tonalidades. Acostumado com as carícias submissas e forçadas, nem sequer tenta compreender a múltipla atividade a que se entrega a mulher durante o ato sexual. Esse tipo de homem não pode perceber os sentimentos que desperta na alma da mulher. É incapaz de captar seus múltiplos matizes. Muitos dos dramas têm como causa essa psicologia simplista com que o homem se aproxima da mulher (...). A prostituição estende de modo inevitável, suas asas sombrias tanto sobre a cabeça da mulher livremente amada, como sobre a ingênua e amorosa e sobre a amante intuitivamente exigente. A prostituição envenena implacavelmente a felicidade do amor das mulheres que buscam no ato sexual o desfecho de uma paixão harmoniosa.
A maioria das mulheres normais busca no ato sexual a plenitude e a harmonia. O homem, na maioria das vezes, pelo contrário, extermina as múltiplas vibrações da sensação do amor, entrega-se apenas a um pálido e uniforme desejo físico que deixa em ambas as partes, insatisfação e fome psíquica. A incompreensão mútua cresce quanto mais desenvolvida está à individualidade da mulher quanto maiores são suas exigências psíquicas, o que traz como resultado uma grave crise sexual. Portanto, a prostituição é perigosa, pois sua influência se estende muito além de seu próprio domínio.
Meisel-Hess diz:
“Deixando de lado a questão da degenerescência fisiológica da humanidade, as enfermidades venéreas, o empobrecimento físico da espécie, levaremos em conta outro fator psicológico que obscurece os impulsos morais, mancha e deforma o sentimento erótico e impede que o homem e a mulher se compreendam e saibam gozar sem se enganar mutuamente.”
A terceira forma das relações sexuais, a união livre, traz dentro de si, também, muitos aspectos igualmente sombrios. As imperfeições dessa forma sexual são de um caráter reflexo: o homem de nossa época vê a união livre com uma psicologia já deformada por uma moral falsa e doentia, fruto do matrimônio legal, por um lado, e do lúgubre abismo da prostituição, por outro. O amor livre choca-se com dois obstáculos inevitáveis: a incapacidade de sentir o amor verdadeiro, essência do nosso mundo individualista, e a falta de tempo indispensável para entregar-se aos verdadeiros prazeres morais. O homem atual não tem tempo para amar. Nossa sociedade, fundada sobre o princípio da concorrência, sobre a luta, cada vez mais dura e implacável, pela subsistência, para conquistar um pedaço de pão, um salário ou um ofício, não deixa lugar ao culto do amor. A pobre Aspásia esperará, inutilmente, nos dias de hoje, sobre o leito coberto de rosas, o companheiro de seus prazeres. Aspásia não pode repartir seu leito com um homem grosseiro, de nível moral indigno dela. Mas o homem moralmente nobre não tem tempo para passar as noites a seu lado.
Meisel-Hess observa, com toda razão, um fato que se dá com extraordinária freqüência: o homem do nosso tempo considera o amor-paixão como a maior das desgraças que lhe pode acontecer. O amor-paixão é um obstáculo para a realização dos objetivos essenciais de sua vida: a conquista de uma posição, de um capital, de uma colocação segura, da glória, etc. O homem tem medo dos laços de um amor forte e sincero que o separaria, possivelmente, do principal objetivo de sua vida. (...)
Os encontros ocupam horas preciosas para os negócios. Ao mesmo tempo milhares de demônios ameaçam o casal unido unicamente pelos laços do amor. Uma casualidade é suficiente para que se origine um desacordo momentâneo e, imediatamente, se produza a separação.
Segundo Meisel-Hess, não nasceu ainda o homem forte e consciente que seja capaz de considerar o amor como parte integrante da totalidade de seus objetivos vitais. Por esta razão, o homem atual, absorvido por sérios trabalhos, prefere abrir a bolsa e manter uma amante ou comprometer-se com uma mulher, dando-lhe seu nome e tomando sob sua responsabilidade a carga de uma família legal. Tudo isto é melhor do que perder um tempo tão valioso e dilapidar suas energias nas horas entregues aos prazeres do amor".

(Alexandra Kolontai – A Nova Mulher e a Moral Sexual – pag. 20 a 40)

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